Hoje vou contar uma história sobre blogueira e adolescente. Ana tem 15 anos. Gosta de ouvir música alta no fone, mandar áudios longos para as amigas e passar horas rolando o feed no Instagram. Foi por lá, aliás, que ela encontrou aquela blogueira fitness: corpo trincado, pele perfeita, rotina impecável. Todos os dias, Ana assiste aos stories de treinos intensos, refeições coloridas em potes de vidro e frases motivacionais sobre “foco” e “disciplina”.
Com o tempo, Ana quer ter um corpo assim. Não para se sentir mais saudável, mas sim para se sentir aceita. Pelas amigas da escola. Pelos meninos do Instagram. Por ela mesma.
No entanto, ela ainda não entende que aquela imagem que vê diariamente é construída. Aquela influenciadora já passou por procedimentos estéticos, tem uma equipe por trás, fotos editadas, patrocínios, filtros. Dessa forma, Ana só vê a comparação. E sempre perde.
Quando a comparação se transforma em sofrimento
Aos poucos, ela começa a mudar. Tira o pão do café. Recusa o almoço com a família. Sente culpa ao comer. Treina em casa escondida. E, ainda assim, acha que nunca é suficiente.
Esse tipo de comportamento, infelizmente, é muito comum na adolescência. É uma fase em que o corpo está mudando, a identidade está se formando e a aceitação social parece uma necessidade vital. Além disso, quando esse desejo por aceitação é alimentado por padrões inalcançáveis das redes sociais, o risco de transtornos alimentares aumenta.
Por outro lado, Ana não está sozinha. E o sofrimento dela não precisa ser permanente.
O papel da nutrição especializada: devolver autonomia com acolhimento
Como nutricionista especialista em transtornos alimentares, o meu trabalho não é simplesmente organizar o cardápio ou ensinar a comer melhor. Mais do que isso, é ajudar pacientes como Ana a reconstruir uma relação saudável e gentil com a comida e com o próprio corpo.
No início do acompanhamento, a escuta vem antes do plano alimentar. Isso porque eu preciso conhecer a história de Ana, suas dores, suas crenças sobre o corpo, seus medos ao comer. Cada refeição dela carrega um peso. Seja ele emocional, social ou afetivo.
Gradualmente, vamos desconstruindo mitos. A ideia de que comer carboidrato é errado. De que precisa compensar o que come. De que existe um corpo ideal. Falamos sobre fome, saciedade, prazer e saúde de verdade. Aquela que respeita o corpo real, não o idealizado.
O processo é lento e precisa ser
Não existe cura mágica nem mudança de um dia pro outro. No entanto, aos poucos, Ana começa a recuperar a liberdade que perdeu. Volta a sentir prazer ao comer o que gosta. Aprende que o valor dela vai muito além da estética. Consegue olhar o próprio corpo com menos crítica e mais compaixão.
Esse é o momento mais bonito do trabalho. Quando a comida deixa de ser inimiga e volta a ser parte da vida. Quando a paciente retoma o controle. Não o controle do corpo, mas sim o da própria história.
E o Instagram, fica onde entre blogueira e adolescente ?
Parte do processo também é refletir sobre o conteúdo que Ana consome. Juntas, falamos sobre o impacto das redes na autoestima e construímos um feed mais diverso, com perfis que mostram corpos reais, saúde sem obsessão e cuidado sem culpa.
Ana pode seguir nas redes, contanto que agora o faça com mais filtro interno. Com mais senso crítico. Com mais segurança para saber que ela não precisa caber num padrão para ter valor.
Nem toda blogueira muda a vida de uma adolescente. Contudo, quando muda, o cuidado certo pode transformar essa história em uma jornada de reconexão, e não de perda.
E é nisso que eu acredito: que a nutrição também é saúde mental. E que alimentar a liberdade é tão importante quanto alimentar o corpo.
Já passou por isso e precisa de ajuda? Venha me conhecer!